Um
homem comum, levando uma vida banal, insatisfeito, frustrado, infeliz. Essa é a
vida do personagem de Edward Norton no filme “Clube da Luta” (Figth Club), cujo
nome ao longo do filme não descobrimos. A ausência de nome no protagonista faz
com que ele se aproxime ainda mais de cada um de nós, afinal, será que estamos
levando vidas tão diferentes da dele?
O
personagem de Norton é um típico homem contemporâneo levando sua vidinha vazia
e burocratizada. Com um emprego que não gosta, vive de forma robotizada e
repetitiva, sem que haja alguma emoção na sua vida banal. Sofrendo da tragédia
dos comuns, ele busca por meio do consumismo uma válvula de escape para o seu
sofrimento existencial. Desse modo, é um consumidor desenfreado, comprando uma
série de coisas inúteis para o seu belo apartamento. Entretanto, enquanto
preenche cada vez mais o seu apartamento, ele sente-se mais vazio e triste.
Esse
retrato inicial já demonstra a crítica do filme ao hedonismo da sociedade de
consumo. O nosso protagonista acredita na ideia de que consumindo o máximo de
coisas possíveis, será feliz. Todavia, ele tão somente acumula tralhas inúteis
que explicitam a sua vida vazia e sem sentido. Se de um lado há um belo
apartamento para os padrões consumistas, de outro há um indivíduo totalmente
despersonalizado, que mais parece um trapo a uma pessoa.
Na
medida em que comprar coisas inúteis deixa de resolver o seu problema, o
personagem-narrador, sofrendo de insônia, uma vez que não consegue ter
tranqüilidade e vive atormentado, segue o conselho de um médico e começa a
fazer parte de grupos de apoio de pessoas com as mais diversas doenças. Nesses
lugares, onde a dor e a angústia são presentes, ele parece sentir-se mais
humano e, assim, sentindo-se melhor, consegue voltar a dormir.
No
entanto, ao ser intimidado pela figura de Marla Singer, que também passa a
fazer parte dos seus grupos, ele não consegue manter a sua farsa, na verdade,
percebe que nunca passou de um indivíduo despersonalizado. Sem nome, sem
paixão, sem vida. O seu quadro caótico retorna e aqui acontece o ápice do
filme.
Surge
então, a figura de Tyler Durden (Brad Pitt), um descomprometido com o protocolo
social, totalmente inadequado, subversivo, autônomo e livre, ou seja, tudo
aquilo que o personagem-narrador quer ser. Os dois passam a desenvolver uma
amizade, a qual promove no protagonista uma mudança enorme na sua vida. Ele
passa a se tornar mais parecido com Tyler, bem como, vai deixando a sua antiga
vida, se assim podemos chamá-la, de lado.
Tyler
passa a assumir uma figura de mentor na relação, demonstrando tudo aquilo que o
nosso protagonista sabia e acreditava, mas não tinha coragem de pôr em prática.
Ao ter sua casa incendiada, ele passa a viver com Tyler em uma casa distante da
cidade, sem luz elétrica ou todos os seus incontáveis móveis. A sua vida ganha
um caráter que jamais possuiu. Ganha personalidade, autenticidade, paixão. Essa
libertação se dá por meio de Tyler, das suas ações, dos seus ensinamentos.
A
externalização dessa mudança se dá com o Clube da Luta, um lugar onde um homem
pode ser homem. Sem amarras, sem grilhões, com dor, com sofrimento. Um lugar
onde o indivíduo pode ser ele mesmo, sem ter que seguir qualquer protocolo
social. A violência ocorrida no Clube da Luta, apenas demonstra de forma
metafórica a dor necessária ao processo de libertação. Não se trata de
demonstrar a violência presente no homem, mas de deixar claro para quem assiste,
que sem sofrimento, não há como se libertar do sistema.
Mas
que sistema é esse criticado no filme por Tyler? É o sistema que cria homens
viciados em trabalho (workaholic), pior, em trabalhos que não gostam, para que
possam fazer parte da orgia do consumo, comprando coisas que não precisam ou
que não precisariam se estivessem em outros lugares, fazendo coisas que lhe trazem
satisfação e felicidade real. Em outras palavras: “Trabalhamos em
empregos que não gostamos, para
comprar um monte de coisas que não precisamos.”
Vivendo
em nossas bolhas, deixamos de ser quem somos para tornamo-nos autômatos. Não
nos relacionamos de verdade, não criamos laços, estamos em constante medo do
outro e sozinhos. Para preencher o vazio de não sabermos quem somos ou de não
vivermos como gostaríamos, passamos a consumir, achando que ao consumir
resolveremos nossos problemas ou nos tornaremos felizes. Contudo,
relacionamentos não são vendidos no Shopping Center, tampouco, podem ser
comprados pelo telefone, como fazia o nosso protagonista.
Sendo
assim, ao acreditar nos kits de felicidade vendidos pela publicidade, passamos
a viver como o narrador. Comprando tudo que está ao nosso alcance, acreditamos
em todas as mentiras contadas por aqueles que nos tratam como estatística, pois
se o que vendem fosse verdade, por que existem tantas pessoas infelizes, com
depressão, ansiosas, que não conseguem dormir e outros inumeráveis problemas da
nossa época? Ou melhor – “Por que será que vivemos trabalhando
para produzir o que não consumimos e, em troca disso, consumimos o que não nos
é útil e temos o que não utilizamos, e, por fim, nunca estamos satisfeitos?”.
Tyler
responde, porque somos uma geração que aceita passivamente o que nos é imposto,
sem questionamento, sem recusas, pelo contrário, nos oferecemos voluntariamente
para ser servos de prisões que, embora bonitas, ainda são prisões. Porque somos
covardes e nos acostumamos com migalhas. Porque permitimos ser definidos pelas
marcas que usamos. E quando se permite isso – “As coisas que você
possui, acabam possuindo você”.
O
nosso protagonista permitiu de tal modo isso, que sequer um nome lhe é apresentado.
Mesmo estando insatisfeito, despersonalizado, infeliz, ele não conseguia se
libertar das correntes. Precisava de alguém que não se importasse com a
adequação. Precisava de Tyler Durden, o seu libertador. Precisava do Clube da
Luta, o seu rito de passagem para uma vida livre. Precisava perder tudo, inclusive o seu mentor,
para, enfim, após dor e hematomas, poder ser quem era.
Um
homem comum? Sim. Mas, um homem que teria as rédeas da sua vida em suas mãos,
que teria um nome e seguiria suas paixões. Um homem que sabe que a sua
personalidade vai além do seu trabalho, de quanto dinheiro tem no banco, do
carro que dirige, do conteúdo da sua carteira ou da sua calça caqui. Um homem
livre para fazer qualquer coisa. E aqui eu refaço a pergunta inicial. Será que
temos libertado o nosso Tyler Durden ou preferimos ser definidos por uma calça
caqui?
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